sexta-feira, 1 de maio de 2009

ALUNOS COM DESAFAGEM ... O QUE FAZER?

Superando o atraso

Redes e escolas fazem adaptações nos currículos e planejam estratégias de ensino para atender os alunos com defasagens

Amanda Polato (novaescola@atleitor.com.br)

PEQUENOS GRUPOS Na EEB Lauro Müller, o número máximo de alunos nas turmas de reforço é três. Foto: Eduardo Lyra

No Brasil, há mais de 8,7 milhões de alunos do Ensino Fundamental em série incompatível com a idade, segundo dados do Censo Escolar 2007. São crianças e jovens que entraram tarde na escola ou foram reprovados. Há ainda aqueles que as estatísticas não mostram: os que estão na série correta sem saber o que deveriam. O que fazer? Melhorias nas turmas regulares são fundamentais para evitar futuras distorções, mas não dá para deixar para trás quem não aprendeu. Para muitas redes e escolas, a solução passa pela formação de turmas de correção de fluxo e por aulas de reforço, que, programadas ainda no primeiro semestre, evitam o fracasso dos alunos.

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Os programas de aceleração nasceram como uma política pública nos anos 1990, mas só com a cobrança em torno do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) - criado em 2005 - o debate sobre a distorção idade-série ganhou força. Isso porque o Ideb é calculado pela nota que o município obteve na Prova Brasil, pela taxa de aprovação da série avaliada e pelo tempo que os alunos levam para concluí-la. Com o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), as cidades passam a ter direito, caso precisem, a apoio para a implantação de um programa de correção de fluxo.

O PDE também prevê o investimento em programas de reforço no contraturno. Não existem estatísticas sobre o assunto, mas são poucas as redes que adotam o reforço como política. O interessante é que, além de ajudar no avanço do aprendizado das crianças, a iniciativa pode representar uma economia para os cofres públicos - afinal, ter alunos por muitos anos na mesma série custa caro.

Iniciativas exigem bom planejamento

Antes de definir as características do programa - de apoio pedagógico ou de correção de fluxo -, é essencial identificar o que os alunos não sabem e quantos precisam de uma atenção maior. Depois o planejamento deve ser afinado de acordo com as necessidades detectadas, sem deixar de ter como referência o projeto político-pedagógico da escola e as diretrizes da rede e do MEC.

O Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), em São Paulo, foi uma das primeiras organizações não-governamentais a implementar projetos de aceleração em parceria com secretarias de Educação. "A ação sempre começou com o estudo do currículo da rede", explica Regina Estima, coordenadora de projetos em vários estados. "A correção de fluxo requer uma mudança pedagógica, mas a referência de disciplinas e conteúdos permanece", complementa.

A principal diferença entre as turmas regulares e as que devem superar defasagens está na metodologia de ensino. São raras as alterações nas expectativas de aprendizagem. Em geral, mudanças só são feitas quando o projeto prevê que, em pouco tempo, o aluno aprenda o suficiente para pular uma ou mais séries. Nesse caso, costuma haver a seleção dos conteúdos considerados principais. As expectativas de aprendizagem e a forma de ensinar os conteúdos básicos do 1º ao 5º ano você pode ver no especial NOVA ESCOLA O Que e Como Ensinar (leia o quadro abaixo).

Para saber as expectativas

Ainda há poucas redes e escolas no Brasil trabalhando com expectativas bem definidas. Para ajudar o professor, NOVA ESCOLA está lançando o especial O Que e Como Ensinar, que oferece detalhes sobre o que se espera que os alunos aprendam.

É preciso explicitar essas expectativas para poder pensar nas melhores formas de trabalhar cada um dos conteúdos, definindo o que ensinar (aonde se quer chegar), o conjunto de estratégias de ensino (como fazer isso), por quanto tempo usar cada uma delas e com que profundidade trabalhar os conteúdos. A publicação traz um panorama de cada disciplina - incluindo histórico, metodologias mais utilizadas e mitos pedagógicos -, uma lista de situações didáticas essenciais e oito planos de aula.

A revista chega às bancas dia 18 de maio, por 4,90 reais.

"Não havia tempo para ensinar tudo, então escolhi o mais significativo", conta Maria do Carmo Soares de Souza, professora do CEF 04, de Guará, cidade-satélite de Brasília. Lecionando História para uma turma de aceleração de 5ª série formada por alunos com idade entre 13 e 17 anos, Maria do Carmo aboliu o livro didático e usou materiais diversos, como revistas e jornais. Para falar sobre as capitanias hereditárias, por exemplo, abria a discussão com notícias sobre a ocupação do solo na cidade. "Sempre procurei traçar paralelos entre os temas e as questões da realidade dos jovens", diz.

Adaptações são essenciais para o aprendizado

Na rede municipal de São Paulo, 30% das crianças do 3º ano ainda não sabiam ler e escrever em 2003, segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Para reparar a falha, a prefeitura criou o Projeto Intensivo no Ciclo (PIC), que forma turmas de 3º e de 4º anos com alunos que têm mais defasagens no aprendizado ou estão com distorção idade-série. A ideia é que, em classes menores (de até 25 alunos) e aplicando estratégias variadas, a garotada aprenda o que falta e retome os estudos em salas regulares.

Segundo a diretora do Ensino Fundamental da Secretaria de Educação, Suzete de Souza Borelli, nas salas do PIC, os conteúdos são os mesmos previstos para o nível. "As principais mudanças estão nos materiais, adequados para alunos mais velhos e com interesses diferentes das crianças", explica.

Adriana Mafra da Silva leciona em uma turma de PIC de 4º ano na EMEF Professora Cândida Dora Pino Pretini e aposta em projetos para dar conta de todo o conteúdo. "Matemática e Língua Portuguesa são prioridades, mas as outras disciplinas não ficam de fora", garante. O projeto da escola que trata de diversidade étnico-cultural, por exemplo, contempla temas de História e Geografia. Trabalhos com o apoio do projeto Mão na Massa, da Estação Ciência, têm como base os conteúdos de Ciências.

Em Minas Gerais, a metodologia de projetos está prevista nas orientações curriculares da Secretaria da Educação. A rede estadual tem um programa de correção de fluxo, o Acelerar para Vencer, que permite que o aluno reprovado tenha um ano de aulas e possa avançar até duas séries. Os conteúdos são desenvolvidos de forma interdisciplinar. "A proposta é difícil porque os professores não estão acostumados, mas 90% dos que concluíram o ano foram aprovados", diz Maria das Graças Pedrosa Bittencourt, superintendente de Educação Infantil e Ensino Fundamental.

DIVERSIDADE Na EM Professor Fauze Scaff Gatass Filho, a interação dos alunos ajuda no aprendizado. Foto: Alexis Prappas

Na EE Trancredo Neves, em Almenara, a 744 quilômetros de Belo Horizonte, a professora de Língua Portuguesa Sandra Maria Ferraz Machado Araújo segue a proposta da rede, mas busca ampliar a quantidade de conteúdos e os materiais oferecidos. "Para ensinar a leitura e a escrita, procuro trabalhar com o máximo de gêneros possível", explica. Ela se vale de revistas, jornais, histórias em quadrinhos e filmes e usa estratégias mais próximas do cotidiano dos jovens, como produção de vídeos e jogos.

Manter turmas menores é quase uma regra tanto em projetos de aceleração como de apoio pedagógico. "Alunos com grande defasagem de aprendizado precisam de maior atenção", defende Juliana Zantut Nutti, professora do Centro Universitário Central Paulista (Unicep), em São Carlos, a 231 quilômetros de São Paulo, com doutorado sobre classes de aceleração pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

Escolas de Florianópolis seguem a recomendação à risca. Na EEB Lauro Müller, as turmas de reforço não passam de três alunos. "A proximidade faz muita diferença. A atenção a cada uma das dificuldades permite que o aprendizado deslanche", comenta Marilisa Moraes Gomes, orientadora pedagógica.

Em Campo Grande, a rede oferece reforço escolar em contraturno estruturado em dois programas: Alfabetiza (para alunos do primeiro ciclo) e Grupos Avançados de Estudo (para 2º ciclo). O objetivo é preencher as lacunas de aprendizado, principalmente em alfabetização. Os conteúdos e objetivos são os mesmos das turmas regulares, mas as estratégias diferem. "Há trabalhos individuais e em grupos usando a diversidade a favor do aprendizado", conta Tânia Vital da Silva Gomes, diretora da EM Professor Fauze Scaff Gattass Filho, onde há duas turmas do Alfabetiza.

Formação de docentes tem de ser permanente

As ações na escola de Campo Grande são acompanhadas de perto pela Secretaria de Educação, com reuniões todas as sextas-feiras para avaliação e planejamento. "Além de receber orientações, tiro dúvidas e falo sobre minhas dificuldades. Tem ajudado bastante", relata a professora Simonete Dantas de Medeiros.

Em São Paulo, os docentes do PIC têm duas aulas mensais. "Discutimos modos de ensinar cada uma das expectativas de aprendizagem", atesta Adriana Mafra.

Segundo a pesquisa de Juliana Nutti, professores de aceleração ou reforço que têm mais sucesso são os que conseguem traduzir bem a política da rede para o dia-a-dia. "É importante que o docente tenha flexibilidade, capacidade de criar e de inovar, acrescente coisas da sua experiência profissional e frequente aulas de formação continuada", enumera.

Uma questão difícil para quem leciona para jovens e crianças com defasagem de aprendizado ou reprovações no histórico é a discriminação. "Os alunos têm uma visão negativa de si mesmos. Não se sentem capazes de aprender", comenta Juliana. Qualquer que seja a estratégia adotada pela rede ou pela escola, esse é um paradigma a ser quebrado.

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